terça-feira, 11 de agosto de 2015

Carta do Mês de Agosto

Cotia, 1º de agosto de 2015



O adolescente infrator será sempre resultado de uma sociedade que descuida das suas crianças e jovens. É preciso terminar esse ciclo de vitimação: a sociedade abandona, cria uma vítima que é a criança, e essa mesma criança cria outras vítimas quando começa a furtar, roubar, violentar, assassinar.
Mario Sergio Cortella


Caros amigos,

Em 2003 já sabíamos que o Projeto Âncora deveria ter, além do contra turno, também uma escola para fazer o atendimento integral das crianças e jovens. Mas não uma escola qualquer. Na busca do como fazer iniciamos por oferecer aos professores da rede pública e aos estudantes de pedagogia da região encontros com grandes educadores. Madalena Freire, Mario Sergio Cortella, Terezinha Fogaça, Maria Amélia Pereira, Yves de la Taille, Frei Betto, José Pacheco, entre outros. E passamos a visitar as escolas que nossos atendidos no contra turno frequentavam em busca de um trabalho em parceria.

Numa dessas visitas nossa coordenadora pedagógica presenciou um de nossos meninos com murros e chutes a derrubar a porta do banheiro da escola. Horrorizada, ao voltar, contou-nos o que viu. Não conseguia acreditar que o menino de lá era o mesmo que, no Âncora, era incapaz de levantar a voz ou desrespeitar quem quer que fosse.

Chamado para uma conversa, o garoto, que devia ter uns 13 anos, não escondeu sua ação e confessou ser recorrente em práticas semelhantes.
-    Por quê? Se aqui você não faz isso?
-    Porque aqui sou respeitado, ninguém grita comigo, me escutam, confiam em mim, me sinto gente. Lá, na escola, a gente é vigiado o tempo todo, quer ir ao banheiro, mas está fechado, a chave fica com o bedel, que nem sempre é encontrado, o banheiro não tem papel, fede. Você reclama e ainda fica de castigo.

No Âncora o castigo nunca foi aceito, sempre acreditamos na conversa, acreditamos que a criança, por menor que seja, consegue compreender se o que o adulto diz faz sentido para ela. Suspensão ou expulsão jamais, pois entendemos que cabe à instituição educar, que rejeitar uma criança é um atestado da incompetência da instituição. E quanto mais difícil a criança, mais ela precisa do nosso cuidado.

Esses 20 anos, que se completam esse ano, são suficientes para confirmar os bons resultados dessa prática. O menino que derrubava portas na escola casou, tem dois filhos, continua frequentando o Âncora, fez faculdade, está bem empregado e na mesma empresa há mais de uma década. E continua a ser o menino que apostávamos que ele era.

Mais de seis mil já passaram por aqui. Muitos motivos para comemorar.



Abraço sempre grato.

Regina Machado Steurer
Conselheira Projeto Âncora

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